(Por Andressa Nathanailidis)
Fazia tempo que eu não te via. Alguns sete anos, ou mais. O dia estava cinza, é verdade, mas mesmo assim quis te encontrar… Você, Drummond e a paisagem. Peguei um táxi e assim que cheguei, logo pude notar que você continuava linda e majestosa, ondas altas, muita gente. Gente por todo o lado: turistas, cariocas, comerciantes… Uma infinidade de modas, gestos e gírias. Torre de babel!
Fazia tempo e eu estava com saudades; de pisar no cartão postal, destino do mundo… De reviver a magia da música eternizada em Ipanemas, Leblons e Lemes… Janelas pelas quais o meu olhar sonhador sempre que pode adentra e se faz feliz, a cada possibilidade- mirante, dessas que ocorrem de tempos em tempos, em meio à viagem.
Dos agentes do comércio, o primeiro que avistei foi o do aluguel de triciclos. Moço jovem, ávido por clientes e lucros. Olhei para ele e pensei: uma volta pela orla não seria nada mal! Bastava um investimento de R$ 25 e eu teria por alguns minutos a alegria de pedalar por suas paisagens. Não hesitei; e tive! Os prédios passavam luxuosos pelo olhar, pessoas diferentes, vento frio congelando a ponta dos dedos e do nariz. Rapidamente o tempo esgotou, devolvi a condução, paguei a quantia.
Depois quis ver o poeta e entrei na fila para uma foto feliz! Tanta gente, tantas poses… Inclusive a minha! Impressionante como certas eternidades da fotografia se fazem obrigatórias a todos os que têm a oportunidade de estar no Rio de Janeiro, não importa quantas vezes, nem a que época em que isso se der. Depois dos cliques, a flanêrie… Andar avistando (mais uma vez) os prédios, as pessoas, os pombos…
Ops, os pombos?! Sim, entre a viagem e o sonho; a falta de compromisso e a distração, o frio do clima e o calor da travessia, eis que um barulho de asa bruta em voo curto, me fisga o olhar. Um pombo preto e branco, ousado! Determinado, caminhava ao meu lado. Mais alguns passos e, logo à frente, notei mais um; depois outro; e outro… Centenas deles, certos de um destino certo, enfileirados, em trilha. Caminhavam em direção ao meio do canteiro. Entre a ciclovia e o asfalto havia uma árvore muito frondosa, talvez centenária; e era lá o destino das aves. Uma castanheira, eu acho.
Segui os pombos com o olhar. Eles pareciam ter aberto o caminho que me conduzia à lembrança de seus contrastes, Copacabana. Eu os acompanhava… E mal havia dado por mim, quando avistei bem de perto a árvore, planta que, frente a meus olhos, parecia ter uma missão: fazia sombra (e muita) para uma invisível moça. É… A natureza sempre oferece seus presentes àqueles que o mundo desmerece.
Roupas desgastadas, cheiro ruim, estava diante de meus olhos uma mulher coberta de poeira e descaso. Ao pé da árvore, a moça lançava pequenas porções de milho aos pombos de rua e, também, conversava com eles. Havia ali sandices necessárias, gestos precisos, resistência em se fazer viva, em querer ser notada, ainda que sem se dar conta disso. Poderia haver alguma droga, também. Fiquei horas observando. Moça mulata, jogada à calçada, mais de 36; praticamente uma figura materna a aconselhar seus filhos, com austeridade e amor delicado. Estava diante de meus olhos. O mundo em movimento, ela parada; meus pensamentos, também!
Ela ali, dando milho e voz aos pombos, amigos de saga e existência. Eu em frente, apenas observando… Impotente. Sentia uma tristeza inerte, em meio à multidão. De um lado da praia, o mundo abastado, do outro a mulher, os pombos, o nada. Passava um carro, passavam dois… Uma bicicleta, uma babá, o dono do cachorro, o atleta, a criança… Ela estava ali, mas ninguém a via.
Ao lado do luxo, dos prédios, da pose… Eu via uma mulher. Invisível e senil… Distante da máquina do mundo! Uma mulher que ninguém podia ou desejava ver. Esquecida pelo mundo e pelas gentes, alguém que, mesmo em meio à loucura, guardava em si a delicada propriedade do amor: perante o mundo, perante a natureza.
Talvez o tempo tenha me feito esquecer as bordas que hoje lhe cabem, Copacabana. Afinal, elas estão por toda a parte e não deixariam impune nem mesmo a “princesinha do mar”. Seu vestido de noiva, Copacabana, já não é mais tão branco como antigamente. Hoje está rasgado e sujo, fruto de um sistema cruel que só enxerga conveniências; fruto da indiferença, da descrença, do cinismo…. Mais pobres do que todos os pobres; mais áridos e impiedosos do que todos os sertões.
Amanhã volto ao destino que deixei, Copacabana. Levo comigo a imagem da moça cercada de pombos, de beleza tão singela e bondade tão rara. A moça que faz cabana em suas praias e agora, também, em minha memória. Deixo a cidade, que já não é tão maravilhosa… A cidade que, assim como eu, agora está repleta das margens da vida. Deixo e levo comigo um susto, um sentido, uma certeza… Da impossibilidade concreta dos sonhos; das dissonâncias latentes e cruelmente reais, à medida que não fazemos nada para que elas se desfaçam.
A moça dos pombos vive agora em meus pensamentos. Ela é o menino que vende balas no sinal, o engraxate, o guardador de carros, o traficante, a periferia, o (i)migrante, o refugiado… Ela é o aqui, o ali, o universo. Ela é tudo! A moça dos pombos vive… E pede para estar, também, nos sonhos: quer participar, sair da coxia e vir para o palco, integrar o outro lado da margem; linda, leve, livre das manchas, das corrupções e dos esquecimentos. Senhora de todas as nuvens, de todo o encantamento. Protagonista!
Foto: Andressa Nathanailidis