Sou quase incorrigível. Me salva meu revisor. Ele, por ser moderno, vai permitir esse pronome oblíquo no início da frase. Pois bem, ia dizendo, às vezes, não me emendo. Em casa de licença-médica, proibida de ficar muito tempo em frente ao computador por conta de uma cirurgia na vista, basta uma espiada nos e-mails para escrevinhar uma resposta.
Explico: a configuração do meu correio eletrônico permite ler a primeira frase do remetente. E estava lá o cabeçalho do João: “Dona Martha…”
Peraí. “Dona Martha”? Fala sério. Ah!, que vontade de inverter os papéis e corrigir o texto de quem revisa os meus.
Será que o João nunca ouviu falar que a maioria das mulheres não gosta de ser chamada de “senhora”? Pois é! Devo avisá-lo: isso vale para “dona” também. Quando ainda estamos começando a faculdade, soa engraçado; quando se está na fase em que a maior preocupação, na hidroginástica, não é com o exercício, e sim com os efeitos do diurético, soa respeitoso.
Fora isso, nada de dona ou senhora. Parece que envelhecemos uns dez anos. Aquelas que, ao ouvirem um “senhora”, respondem “Senhora está no céu!”, usam uma das mais poderosas armas para acabar com qualquer diálogo interessante: a frase feita. Falam em céu, mas a vontade delas, acredite, é mandar o interlocutor para o quinto dos infernos.
Não é o caso do João. Parafraseando o filósofo, o inferno é para os outros. Quero ele por perto, acertando meus desatinos gramaticais. Mas, “dona”? O fato de eu ser carioca talvez contribua para o estranhamento. Além de não gostarmos de sinais fechados e dias nublados, somos muito informais. As únicas “donas” reverenciadas na cidade maravilhosa foram as sambistas da Mangueira: Dona Zica e Dona Neuma (e com D maiúsculo, para impor mais respeito.)
As duas saudosas figuras encarnaram tão bem a tradição do samba que, parece terem nascido “senhoras” — ou melhor: “donas”. Assim, apenas as cariocas que pagam meia entrada são chamadas de “donas” sem se importar —significa dizer sem se sentirem mais velhas do que são.
Meu cuidadoso revisor tem, certamente, vários motivos para explicar o tratamento. Nossa relação profissional é recente e, além de tudo, apenas virtual. Mas, ainda assim, devo alertá-lo para deixar o “dona” de lado. Homens não são tão sensíveis a preocupações femininas com o envelhecimento. Mas, buscarei um argumento gramatical.
Entre os significados do nome “Martha” estão os de “senhora”, “dona”. Assim, é pleonasmo me chamar de “Dona Martha”? Equivaleria a “Dona Senhora” ou, pior ainda, “Dona Dona”. Um cochilo imperdoável para quem vem fazendo um bom trabalho.
Como tenho mais de moleque, do que de “dona”, se ele insistir nos e-mails encabeçados por “dona”, pagarei na mesma moeda, devolvendo: “Usando pleonasmo de novo, revisor? Sim senhor, hein!”