A banalização da Índia

(Por Francisco Aurélio Ribeiro)

As telenovelas atuais são uma continuação das radionovelas, cuja origem está nos folhetins franceses do século dezenove. Caracterizam-se por serem narrativas seriadas, ágeis, pela profusão de eventos e de personagens e por ganchos intencionalmente voltados para prender a atenção do leitor ou telespectador.

Um bom folhetim possui, sempre, uma fórmula básica: um amor (quase) impossível, obstáculos para a realização desse amor, ajudantes e oponentes, tramas secundárias que despertem o interesse do público, personagens maniqueístas (bons que pareçam maus e o contrário) e, como pano de fundo, um cenário exótico.

Glória Peres sabe de cor e salteado essa receita. Foi a que usou para obter o sucesso em O Clone e em outras telenovelas que a consagraram. Ela é a herdeira de Janete Clair, outra célebre folhetinista que a antecedeu, e a sucessora de Glória Magadán, telenovelista cubana exilada no Brasil e que trouxe essa modalidade para cá, nos anos sessenta, autora de sucessos como Eu compro esta mulher, O Sheik de Agadir, A sombra de Rebeca.

Não, não sou um noveleiro, pois não aprecio o gênero, por sua fácil previsão e desfecho convencional, além de sempre ter estudado e trabalhado à noite. Não acompanhei os capítulos de uma novela do primeiro ao último e nem torci pelo destino de Flora ou Antonela. Meu mundo é o da leitura, mais especificamente, o da literatura.

No entanto, a partir do momento em que a televisão entrou na sala de estar das famílias de classe média, como a minha, e isso ocorreu na década de sessenta, ver televisão para assistir às novelas e comentá-las depois passou a ser um hábito corriqueiro. Me lembro, com saudade, de ter ouvido  minha mãe contar o último episódio de Nino, o italianinho, de O cara suja ou  do Beto Rockfeller, sucessos daquela época.

Assisti ao primeiro capítulo de O caminho das Índias*, da Glória Peres, pelo interesse que me desperta a Índia e sua cultura milenar. Fiquei estarrecido com o que vi, pois a Índia mostrada é bem diferente da que visitei em 1994.

A Índia é um dos países mais interessantes do mundo, por suas diversidades linguísticas e culturais, pelas diferenças sociais gritantes e por seu passado histórico e literário. Há muitas Índias, como não há um só Brasil, muitas vezes mostrado ao mundo pelas novelas de televisão. O Brasil tem 500 anos e a Índia mais de 5000.

A cidade de Varanasi, a antiga Benares, onde ocorreu a primeira cena da novela, é uma das mais antigas do mundo. É a cidade sagrada do hinduísmo e onde se respira a morte. Para lá, os hindus levam os corpos para serem cremados, às margens do poluído rio Ganges. A cidade cheira a carne humana carbonizada. É um cheiro adocicado, enjoativo, pois os corpos são ungidos com óleos de cheiro e ornamentados com flores, antes de serem queimados.

Na Índia, senti muito próxima a morte e lá tive a consciência de nossa fragilidade e de nossa precariedade. Na cultura ocidental, somos criados para a vida; na oriental, a morte é tão presente que se torna natural, desde o nascimento. Por acreditarem em reencarnação, em carma, em castas, em destinos pré-estabelecidos desde o nascimento, aceitam como irremediáveis as grandes diferenças sociais e os papéis de cada um.

Juliana Paes está linda, uma autêntica indiana da elite. Só não combinam com ela o emprego no call center  e nem o Márcio Garcia, que em nada lembra um pária da sociedade indiana. Parece que, a qualquer momento, ele vai tirar aquela bata esquisita, pôr a sunga e ir para a praia jogar futevôlei.

*Exibida pela primeira vez em 2009, a novela O caminho das Índias está sendo reapresentada pela TV Globo, no Vale a Pena Ver de Novo, desde julho de 2015.
Índia

Foto do acervo do autor.
Francisco Aurélio Ribeiro aos 39 anos, em 1994 (“passei três semanas na Índia, numa viagem que mudou a minha maneira de ver o mundo”).

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