(Por João Zuccaratto)
Produzi um livro muito interessante: “Roberto Carlos: as canções que você fez pra mim”. O autor, Maciel de Aguiar, dispendeu meio século para concluí-lo. Teve a ideia em 1969, quando passou a perguntar às pessoas qual a música do Rei havia marcado a vida delas. Conversando com anônimos e celebridades pelo Brasil, reuniu um imenso acervo de textos. E escolheu 50 deles para compor a obra, lançada no início de 2020.
Há capixabas, como o “Patrono da Ecologia”: Augusto Ruschi; o “Sabiá da Crônica”: Rubem Braga; o “Cafajeste dos Cafajestes”: Carlos Imperial; e, o cantor e compositor Sérgio Sampaio. Entre os nacionais, tricampeão de Fórmula 1: Ayrton Senna da Silva; “Atleta do Século”: Pelé; “Anjo das Pernas Tortas”: Garrincha; “Maior Cronista Brasileiro”: Carlos Drummond de Andrade; “Gênio da Arquitetura”: Oscar Niemeyer…
Durante os processos de revisão e editoração, fiquei pensando se algum trabalho de Roberto Carlos teve efeito similar comigo. Recordei dois, mas devido a situações bem especiais, relacionadas às atividades profissionais exercidas por mim: jornalismo e publicidade. A primeira, Amigo, autoria dele, homenageando Erasmo Carlos, parceiro de inúmeras obras-primas — como na criação da segunda, Sentado à beira do caminho.
Papa João Paulo II recepcionado com Amigo
Era janeiro de 1979, quando o papa João Paulo II fez sua primeira viagem internacional, visitando Bahamas, República Dominicana e México. Na capital deste último, ao entrar no Estádio Azteca, foi surpreendido por cerca de 200 mil crianças cantando, a uma voz, Amigo, em espanhol. Encantado, pede a alguém uma cópia da letra e passa a integrar o coral. Lembrando disso 40 anos depois, para produzir este texto, ainda fico emocionado.
Editores da revista Time, na época, de maior circulação nos Estados Unidos da América e no mundo, impressionados com a manifestação, correram para descobrir o autor da canção. E, fato inédito na vida da publicação, na qual ser citado em pequena nota era o auge para qualquer um, dedicaram uma página inteira para descrever um brasileiro com enorme sucesso no mundo latino, e ainda desconhecido no mercado norte-americano.
Amigo não figura em “Roberto Carlos: as canções que você fez pra mim”. Ninguém a deve ter relacionado como a “música da minha vida”, como todos fizeram. Assim, seus versos deixaram de ser entremeados ao longo das diversas histórias desenvolvidas por Maciel de Aguiar — isso acontece com todas as outras incluídas naquelas páginas. Por isso, tomo a liberdade de reproduzir os belos versos a seguir, para deleite dos leitores.
Amigo
Você meu amigo de fé, meu irmão camarada,
Amigo de tantos caminhos e tantas jornadas,
Cabeça de homem, mas o coração de menino,
Aquele que está do meu lado em qualquer caminhada.
Me lembro de todas as lutas, meu bom companheiro,
Você, tantas vezes, provou que é um grande guerreiro.
O seu coração é uma casa de portas abertas,
Amigo você é o mais certo das horas incertas.
Às vezes, em certos momentos difíceis da vida,
Em que precisamos de alguém pra ajudar na saída,
A sua palavra, de força, de fé e de carinho,
Me dá a certeza de que eu nunca estive sozinho.
Você, meu amigo de fé, meu irmão camarada,
Sorriso e abraço festivo da minha chegada,
Você que me diz as verdades com frases abertas,
Amigo você é o mais certo das horas incertas.
Não preciso nem dizer,
Tudo isso que eu lhe digo,
Mas é muito bom saber,
Que você é meu amigo.
Não preciso nem dizer,
Tudo isso que eu lhe digo
Mas é muito bom saber
Que eu tenho um grande amigo
Não preciso nem dizer
Tudo isso que eu lhe digo
Mas é muito bom saber
Que você é meu amigo.
Comercial de TV baseado em Sentado à beira do caminho
Corriam os anos 1990 quando a WBrasil, talvez a agência de propaganda mais criativa da publicidade brasileira, rompeu a inércia dos comerciais de televisão com 30 ou 60 segundos de duração. Criou peças baseadas em sucessos da Música Popular Brasileira, ocupando até cinco minutos de horários nobres. Um deles, para o detergente Pinho Bril Plus, da Bombril, com a canção Pense em Mim, megassucesso de Leandro e Leonardo.
Outro foi para a Rede São Paulo, de postos de combustíveis, nanica do setor, frente as concorrentes Atlantic, BR Distribuidora, Esso, Ipiranga, Shell, Texaco etc. Tendo por fundo a composição Sentado à beira do caminho, mostrava três frentistas em um posto vazio, sentados, um ao lado do outro. Ao ouvir o ruído de um carro aproximando-se, abriam largos sorrisos, levantavam, corriam para atender, mas o veículo passava direto, sem nem se aproximar.
Eles voltavam a sentar, amuados, decepcionados, tristes. Enquanto a canção continuava a ser interpretada por Roberto Carlos, a cena se repetia, várias vezes. Ao final, baixava o som da música, entrava locução vendendo o atendimento diferenciado da rede, dentro do espírito “não somos os maiores, mas somos os melhores, venha experimentar”. Ou seja: de acordo com o refrão “lembrar que eu existo, eu existo, eu existo, eu existo…”
Situação da marca no mercado, cenário de abandono junto a uma rodovia movimentada, atitude dos atores, tudo, mas tudo mesmo, estava de acordo com a primorosa criação de Erasmo Carlos e Roberto Carlos. Também fico emocionado de recordar aquele trabalho, premiadíssimo no Brasil e no exterior. Esta faz parte do conteúdo do livro, relacionada a longo trecho da vida de um rapaz derrubado ao chão após uma forte decepção amorosa.
Sentado à beira do caminho
Eu não posso mais ficar aqui,
A esperar!
Que um dia, de repente,
Você volte para mim…
Vejo caminhões
E carros apressados,
A passar por mim.
Estou sentado à beira
De um caminho,
Que não tem mais fim…
Meu olhar se perde na poeira,
Dessa estrada triste,
Onde a tristeza,
E a saudade de você,
Ainda existe…
Esse sol que queima
No meu rosto,
Um resto de esperança,
De ao menos ver de perto
O seu olhar,
Que eu trago na lembrança…
Preciso acabar logo com isso,
Preciso lembrar que eu existo,
Que eu existo, que eu existo, que eu existo…
Vem a chuva, molha o meu rosto
E então eu choro tanto.
Minhas lágrimas
E os pingos dessa chuva
Se confundem com o meu pranto…
Olho prá mim mesmo e procuro,
E não encontro nada.
Sou um pobre resto de esperança,
À beira de uma estrada…
Preciso acabar logo com isso,
Preciso lembrar que eu existo,
Que eu existo, que eu existo, que eu existo…
Carros, caminhões, poeira,
Estrada, tudo, tudo, tudo
Se confunde em minha mente.
Minha sombra me acompanha
E vê que eu
Estou morrendo lentamente…
Só você não vê que eu
Não posso mais
Ficar aqui sozinho,
Esperando a vida inteira
Por você,
Sentado à beira do caminho…
Preciso acabar logo com isso,
Preciso lembrar que eu existo,
Que eu existo, que eu existo, que eu existo…
Larararará, lararará!
Larararará, lararará!
Larararará, lararará!
Larararará, lararará…
João Zuccaratto é cronista convidado do Clube de Crônicas
Imagem: Roberto Carlos – Acervo Maciel de Aguiar