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— Segura no pau e bate uma para mim — pede o dono da câmera fotográfica à amiga na hora de posar com o grupo para a posteridade. Fica o registro. Não precisou do segundo click para o uso do monopod, ou bastão extensor, mais conhecido como pau de selfie, gerar piadas (desculpe, mas não resisto) a dar com pau.
O, digamos assim, novo acessório fotográfico parece que veio para ficar. A mania do autorretrato, no entanto, não é nova. Em 1515, Leonardo da Vinci já usara giz para desenhar seu próprio rosto. A história da arte mostra outros pintores seguindo o mesmo caminho.
Tirar fotos de si mesmo foi facilitado com o pau de selfie, não há dúvidas. Mas fiquei espantada ao saber que o brinquedinho foi eleito pela revista Times como a invenção do ano de 2014. Caramba! Uma vareta de alumínio ser a invenção do ano. Ninguém criou nada melhor?
Há quem ache ridículo. Há quem o aponte como essencial. Não estou aqui para defender, nem meter o pau em ninguém. Certamente, existem situações em que o acessório pode ser muito interessante. Ao solitário, por exemplo, facilita coçar as costas, puxar aquela moedinha que caiu embaixo da cama, improvisar um varal e, claro, aparecer bem na foto.
Numa viagem pode ser pau para toda a obra e selfie-se quem puder. Mas, por causa dessa história de invento do ano, comecei a reparar nos selfies à minha volta. Esse desejo intenso de expressar ao mundo seu estado de espírito tirou de muitas pessoas o foco do que realmente importa.
A única preocupação é se colocar em cena. Esquecem de curtir o momento, a atração em si. Carioca, radicada no Espírito Santo, na última viagem ao Rio de Janeiro, fui matar as saudades de um programa comum na adolescência: encerrar a caminhada no calçadão fazendo alongamentos na Praia do Arpoador, para assistir ao Sol mergulhar no mar.
O local estava lotado. Na temporada de férias, virou programa turistão. Não me incomodei; ao contrário, senti até aquele orgulhozinho de ter nascido em um lugar tão lindo. “Quando o Sol se pôr, essa galera vai uivar” — pensei. Sabe nada, carioca inocente!
A água começou seu canto de sereia. O Sol não resistiu e mergulhou, despedindo-se com um rastro de luz no mar enquanto o céu exibia o azul especial do lusco-fusco. Lindo, lindo demais.
Ainda embevecida, elevei as mãos para aplaudir o espetáculo, conforme a tradição local. Eu e mais uma meia dúzia de três ou quatro. Os demais estavam, a maioria, com seus paus de selfie, de costas para a cena.
Trocaram o “ao vivo” pela foto no Face ou Instagram. Optaram pela reprodução quando tinham, diante de seus olhos, a obra de arte. Pela luz dos olhos meus!
Lembrei de outra experiência. Era bem jovem quando fui ao Museu do Louvre pela primeira vez. Fiquei desapontada com uma de suas mais famosas pinturas: achei o quadro da Monalisa muito pequeno. Em termos de arte, era mais ignorante que hoje, mas sabia, claro, que a grandiosidade de um artista não se mede em centímetros.
Então, entrei na fila para fotografá-la. Não havia, ou pelo menos não eram comuns, câmeras digitais (é, sou do século passado). Fui rápida e, após a foto, passei um tempo observando-a, como os demais visitantes. Confesso, não entendi, à época, a graça de seu enigmático sorriso.
Em 2013, fui reencontrar a Mona (brasileiro é assim, fica logo íntimo). E, mal entrei na sala, observei uma cena que faria Leonardo da Vinci morder os pincéis. Os visitantes estavam de costas para a sua mais famosa obra de arte, sorrindo em seus selfies. Pouquíssimos paravam para admirar o sorriso mais famoso já pintado. Sinceramente, que graça tem ver a Monalisa assim?
Considerado um dos seres humanos com maior variedade de talentos que já existiu, o artista, cuja obra estava sendo admirada de forma tão moderna, foi pintor, inventor, engenheiro e músico, dentre outras coisas. Mas, uma de suas mais festejadas facetas, a de visionário, só ficou clara para mim ao observar, pela segunda vez, La Gioconda.
Claro que o italiano previu tudo isso! E, à sua maneira, o inventor do paraquedas, da ponte giratória e do equipamento de mergulho, só para recordar algumas de suas criações, deixou um recado para uma sociedade que iria apontar, séculos mais tarde, o pau de selfie como invenção do ano: esse sorrisinho da Monalisa, não tenho dúvida, é puro escárnio com a gente.
(Alto Verão de 2015)
Foto: Vera Caser
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