( por Lisandro Gaertner)
A briga começa como a maioria delas começa. O cansaço pesando pelo tardar da noite ou pelo despontar da madrugada; os ânimos exaltados pelo álcool e pelos resultados do futebol de meio de semana; a depressão inescapável de ter que conciliar, no dia seguinte, a ressaca iminente com um trabalho que não nos valoriza. Junte a isso um engano, um tropeço, uma palavra mal entendida, ou, até mesmo, um pequeno esbarrão e está pronta a confusão.
Os envolvidos se estranham. Olhares tortos, palavras tortas. O primeiro empurrão. Dessa vez, intencional. Se abre espaço no meio do bar e, em uma dança orquestrada, os brigões se afastam e se aproximam, mostrando o quanto querem lutar por sua honra e o quanto acham que o outro deve desistir.
As tentativas de intimidação surgem furiosas de um lado e do outro. Os outros clientes do bar, movidos pela demonstração de agressividade gratuita, começam a se sentir obrigados a tomar partido. Primeiro os amigos e conhecidos se posicionam. Depois as lealdades. Pelo time de coração. Pelas posições políticas. Por afinidades que ninguém consegue explicar. O que era uma briga entre duas pessoas vira uma inimizade ancestral entre facções.
Nisso entra em jogo o terceiro time. O time do deixa disso. Desmoralizado, sem entender bem o que se passa e sem argumentos para convencer a turba enfurecida, eles tentam impedir o inevitável com palavras de ordem e chavões inúteis:
– Pô, pessoal!
– Onde já se viu…
– Vocês são tão amigos.
– Vamos lá! Vamos fazer as pazes?
– Vamos parar com isso? POR FAVOR?!
Nesse balé desengonçado, o dono do bar, como o tocador de pratos de uma orquestra caótica, espera o momento certo de chamar a polícia. Objetivo: resguardar a integridade do seu empreendimento perdendo o mínimo de clientes. Sabe que, infelizmente, nunca agirá no momento certo. Na confusão, alguém esbarra numa garrafa que cai no chão gongando o início da luta.
Os ânimos se acirram. Os iniciadores da confusão aproximam seus rostos e respiram bufando um na cara do outro. Falta pouco para tudo degringolar. Apenas um tapa. Um cuspe. Um olhar mais feio. Então…
– Olhem lá!- alguém grita da porta do bar.
Alertas pela adrenalina gerada nas preliminares da briga, todos se viram. Caminhando onde os carros deveriam passar, cinco mulheres, para dizer a verdade, meninas, lindas, no primor da sua juventude, tomam a rua numa passeata misteriosa. Rindo e languidamente apressadas, elas caminham pelo meio da avenida com destino e origem ignorados. Apenas um detalhe: todas estão vestidas de havaianas. É. Havaianas. Com colares de flores de papel crepom; tops imitando cocos; arranjos exagerados nos cabelos; e saias de palha plástica colorida. E, para completar, de pés inexplicavelmente descalços. Alheias à briga, elas flanam faceiras, se dando empurrões e cutucos assim como os brigões. Só que, no caso delas, sem agressividade, apenas com cumplicidade.
No bar, homens e mulheres, inebriados por sua presença, respiram fundo tentando sentir o seu perfume. Sentem. Ou imaginam que sentem. Não faz diferença. E sorriem. Verdadeiramente.
As teorias começam a surgir. Assim como as dúvidas. Quem são elas? De onde vem? Para onde vão? O que diabos estão fazendo aqui? À essa hora?! As dúvidas e curiosidades são muitas e suficientes para distrair todos do conflito que parecia ser tão necessário resolver.
As meninas dobram a rua e somem a caminho da praia. Como um perfume marcante, seu riso ecoa nas paredes dos prédios nos lembrando da sua existência, até que some num silêncio ensurdecedor. De um momento para o outro, aquilo que parecia tão real e tão correto deixa de existir de fato.
Todos baixam as cabeças. Não sabem mais o que fazer. Alguns se sentam, aturdidos. Outros aproveitam para pagar a conta e escapar à francesa da confusão. Alguns, magoados pelo sumiço das meninas, lembram da briga e transformam a sua frustração em agressividade, retomando o conflito. Os brigões, mesmo sem clima, voltam às suas posições iniciais. Podem até apanhar mas nunca desistirão daquilo em que acreditam. Se perguntam sem resposta: qual era mesmo a razão da briga? Voltamos ao começo.
Os envolvidos se estranham. Olhares tortos, palavras tortas. Antes do novo primeiro empurrão, uma surpresa.
Despontando no início da rua, uma sexta havaiana, não tão bonita, mas infinitamente mais charmosa, corre esbaforida atrás de suas amigas, deixando seu colar cair pelo caminho.
– Me esperem. ME ESPEREM!
O bar inteiro é obrigado a cair na gargalhada. Os brigões, envergonhados com a sua postura, se abraçam e oferecem, mesmo sem dinheiro suficiente, pagar a conta um do outro. O dono do bar suspira por ter escapado por pouco da decisão entre proteger a estrutura do bar e manter a clientela. Os outros clientes agora dão razão à turma do deixa disso e os parabenizam por tentar manter a paz.
– Paz. Amor. Beleza. Assim não é melhor de se viver?- sentenciam e fecham o caso.
As saideiras são pedidas e o mais empolgado dos clientes, sempre há um deles, sai correndo pelo meio da rua atrás das meninas com o colar abandonado na mão. Depois da meia noite, busca por sua Cinderela havaiana.
– Ei, espere por mim também. ESPERE POR MIM!
Já te contei por que amo Copacabana? Deixa eu te falar…
A briga começa…
Foto: Lisandro Gaertner