Era uma vez um reino encantado, comandado por um rei muito, muito carismático. Bonito, rico, talentoso, gostava de viajar, narrar e cantar suas aventuras. Debaixo dos caracóis de seus cabelos havia muita história para contar de mundos tão distantes.
As princesas e as plebeias suspiravam, mas ele era apaixonado pela namoradinha de um amigo. Sabia que estava errado, mas nem mesmo sabia como tudo acontecera. Seu rival era mais que amigo: era um irmão camarada. Não podia traí-lo.
Só mesmo em sonhos conseguia olhar a moça e dizer-lhe “Como é grande o meu amor por você.” A paixão proibida, no entanto, o perturbava. Em busca de paz, chamava por Jesus Cristo, não deixando, claro, de pedir uma mãozinha a Nossa Senhora para cuidar do seu coração. A fé o consolava. É preciso saber viver!
Amante da natureza, era reconhecido pelos súditos como pessoa simples, de alma iluminada. Costumava caminhar pelas ruas. Gostava de observar o cotidiano: as curvas de um calhambeque, o sorriso de uma criança, os botões da blusa de uma plebeia… Detalhes.
Em um desses passeios, pôde presenciar uma cena que lhe chamou a atenção: um rapaz de aparência humilde, como que escondido atrás de uma mesa de um restaurante, enquanto o garçom e o dono do estabelecimento discutiam.
Devagarzinho, para não ser notado, aproximou-se do local, para entender a discussão: “Você está dizendo que um rapaz comeu um prato de carne e, enquanto você foi buscar a conta, ele sumiu?” — perguntou o dono. “Exatamente! Achou que a comida era grátis. Rebati e avisei que ia buscar a conta. Quando voltei, havia desaparecido.”
“Veja essa! Vou servir carne de graça? O boi é grátis por acaso? Vamos à Delegacia. Vou botar a Polícia atrás dele. Você sabe quem é esse cara?”
Tentando salvar a pele do pobre esfomeado, o rei, com seu histórico de vida, confiante no próprio carisma para absolver o acusado de qualquer ato, por mais discrepante que este fosse, gritou: “Esse cara sou eu!”
Surpreso e feliz com a revelação, o dono do restaurante não só não cobrou a comida como ainda doou milhões de dinheiros para o reino. Sabia que a presença do nobre faria bem aos negócios. E assim, como em todos os contos envolvendo reis, princesas e castelos, a história acabou com um final feliz.
O faminto alimentou-se. O dono do restaurante lucrou com a fama. O reinado ficou mais rico. E o rei, apesar de não ter saboreado o delicioso filé, saiu satisfeito com sua atitude. Afinal, aprendera com seus ancestrais: seu trabalho era se portar sempre como nobre e, onde se ganha o pão, não se come a carne.
Foto: Google imagens
Martha Gonzalez publica quinzenalmente aos domingos.