No início dos anos 1980, chamava-me a atenção, no Rio de Janeiro (cidade onde morava), um adesivo colado nos vidros traseiros ou laterais dos carros. Trazia uma linha curva, simbolizando o contorno de uma serra, e a seguinte mensagem: “Olhe bem as montanhas”. Depois, foi acrescentada uma segunda frase: “Elas vão desaparecer.”
A campanha tinha como palco Belo Horizonte, a capital do Estado de Minas Gerais, e queria chamar a atenção para o desaparecimento das serras ricas em ferro, causado pela exploração de minérios. Lembro-me de ver, quando criança, durante viagens de carro pelo interior mineiro, com meus pais, as gigantescas montanhas de ferro. Tenho duas pesadas pedras em casa, achadas no meio do caminho.
Muitos anos depois, percorrendo a mesma região, encontrei uma paisagem completamente diferente. As montanhas estavam desaparecendo. O horizonte mineiro ficou menos curvo. Será que vamos sair por aí com adesivos do tipo “Olhe bem o que restou das montanhas, dos vales, das florestas…”; “Olhe bem o que restou do Rio Doce.”?
Mais de um mês depois do maior desastre ambiental da história do Brasil, ainda existem muitas perguntas sem respostas e informações desencontradas. Os mais pessimistas (ou realistas?) dizem que o Rio Doce levará décadas para se recuperar.
Um estudo encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente chegou à conclusão de que o rio “vai ressuscitar” em até cinco meses. Segundo o professor de Engenharia Costeira Paulo Rosman, do Centro de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os efeitos no mar serão “desprezíveis” e, em poucos dias, a coloração marrom deve se dissipar.
Diante da preocupação de que os rejeitos alcançassem às praias do Sul do Estado do Espírito Santo, a mineradora Samarco, responsável pelas barragens que se romperam, por meio de nota oficial, informou que a lama, eufemisticamente chamada de “pluma de turbidez”, havia mudado seu comportamento e passado e se deslocar na direção norte-nordeste.
Mineiro da cidade de Aimorés, e vice-presidente do Instituto Terra, o fotógrafo Sebastião Salgado apresentou às autoridades um projeto para salvar o rio. O plano prevê, dentre outras ações, a recuperação das nascentes da Bacia do Rio Doce, por meio de um sistema de recomposição da mata ciliar. Um trabalho hercúleo, que deve durar, segundo o fotógrafo, mais de 20 anos.
Com uma extensão de quase 900 quilômetros, o Rio Doce ganha esse nome a partir do encontro do Rio do Carmo com o Rio Piranga. O primeiro nasce na Serra do Espinhaço e, o segundo, na da Mantiqueira, ambas em Minas Gerais. A foz fica no Oceano Atlântico, em Linhares, no Espírito Santo.
A bacia hidrográfica do Rio Doce alcança 83.400 mil quilômetros quadrados de área e abrange 228 Municípios capixabas e mineiros. O número de nascentes é o que mais impressiona: 370 mil. Se pelo menos alguns milhares forem recuperados, já podemos ter esperança de ver o rio vivo novamente.
Dezembro de 2015
Foto da autora: Estrada de Ferro Vitória a Minas