(Por Maria Francisca)
Galeano conta que, no tempo da ditadura no Uruguai, um preso político foi punido com cinco dias sem recreio e sem visitas, por ter violado o regulamento. E o coronel que aplicou a punição tinha absoluta certeza de que a norma era clara: os presos deveriam caminhar em fila com as mãos nas costas. O detento punido teria descumprido a regra, porque colocara apenas uma mão para trás. Só que o homem era maneta.
Parece brincadeira, mas é verdade. Esse tipo de coisa ocorre no serviço público,ainda, e muito. A burocracia, idealizada para organizar os serviços, padronizar procedimentos, racionalizar o trabalho, vira um pesadelo para o cidadão. E transforma-se em burrocracia.
No INSS, onde trabalhei por longos anos, vi coisas de que Deus duvida, como diria minha mãe. Servidores que não pensam no outro, ou mesmo por burrice, aplicam as normas de forma tão canhestra que, muitas vezes, leva-nos a pensar em preguiça, ou mesmo má-fé. Nesses ambientes, o homem foi feito para a norma. Nem se cogita do espírito da lei. E a letra fria é implacável. Mata!
Um caso mais recente deixou-me perplexa. Como se sabe, as filas hoje são virtuais. Pois bem, morreu o marido de uma amiga, numa cidade do interior e eu, querendo ajudar nas questões práticas e pensando na pensão da viúva, procurei uma conhecida que trabalhava no atendimento do INSS naquela cidade e falei do caso daquela senhora que, aliás, era sua vizinha e amiga. Escutei o seguinte: Vocês precisam telefonar para pegar uma senha. E corram, telefonem agora, porque não tem ninguém marcado para amanhã. Eu disse: Mas se não tem ninguém, ela não pode ir direto? Não, respondeu com veemência. Só atendemos quem tem a senha. Sim, insisti, mas se não há ninguém para atender e chega alguém sem senha virtual, mesmo assim vocês não atendem, estando à toa? Ela disse, solene: É a regra…
Mas no meu querido TRT, para minha tristeza, não foi diferente esses dias. Os aposentados devem se recadastrar todos os anos. Até aí, tudo bem, devido a fraudes. Mas como sou muito conhecida de todos, porque fui presidente da Casa, estou sempre presente lá em comemorações, também apareço na mídia do tribunal devido a projetos sociais, ou mesmo a algum evento literário de que faça parte, apenas mandei minha declaração assinada, porque pensei que poderia fazer isso. Se eu tivesse morrido, claro, todos saberiam. Além disso, minha filha trabalha lá. Devolveram a minha ficha, porque a regra era o comparecimento. Eu deveria provar que estava viva, com minha presença, portando documento de identidade ou, então, mandar a declaração com assinatura reconhecida em cartório.
Liguei para um servidor do setor e ele ficou de entregar minha declaração e garantir que acabara de falar comigo, e isso disse para o pessoal do cadastro. Naquele momento, aceitaram, mas recebi um telefonema, uns dias depois, para dizer que eu teria que comparecer, sem choro nem vela. Então, presente, documento de identidade à mão, pergunto: Por quê? Porque é a regra, ora. Está escrito aqui. Desse jeito, a chefe não aceita. Foi o que ouvi. Moça, você falou comigo por telefone e me conhece há muito tempo. Nalgum momento teve dúvidas de que falava comigo? Aliás, todos me conhecem e sabem que estou viva, inclusive o Presidente do TRT. A resposta foi um sorriso amarelo.
Então, o que fazer?
Só nos resta a reverenciar Sua Majestade a Burocracia!
Com todas as honras.