— Palavras, palavras, palavras — respondeu o príncipe Hamlet, ao ser indagado sobre o que lia.
— Bobagens, bobagens, bobagens — respondo quando me perguntam sobre as conversas com a terapeuta.
Às vezes, saímos de uma sessão, mas ela não nos abandona. Quanto assunto, quantas palavras gastas. Outro dia, depois de um encontro, fiquei imaginando se, em vez de um preço fixo, esses pescadores de emoções cobrassem pelos problemas abordados. Ou pior, pelas bobagens que escutam. Já imaginou?
Como em uma viagem de taxi, haveria uma bandeirada inicial. Conforme o percurso, aplicar-se-ia uma tabela. Quanto mais traumas ou besteiras reveladas, maior o rombo na conta. A nova forma de cobrança seria, claro, objeto de discussão nas sessões.
— Ronaldo, identifiquei apenas um complexo de superioridade, vou aplicar a tabela simplificada. Ok?
— Isso significa que a doutora considera meu caso simples?
— Sim. Melhor dizendo, comum.
— Meu complexo de superioridade, comum? O meeeeeu caso, comum? A senhora deve estar brincando…
Outros pacientes seriam mais grosseiros.
— Doutor, o senhor vai mexer no preço só porque admiti a cleptomania? Isso é um roubo!
— Huuum! Olha só quem fala…
Muitas vezes, ainda que o profissional quisesse ajudar, poderia ser mal compreendido.
— Gilberto, detectamos um novo problema: o alcoolismo. Vou acrescentar 10% sobre o valor da consulta.
— 10%? Você é terapeuta ou garçom?
Embora a medida pareça de extrema justiça para os profissionais da alma, poderia mascarar o tratamento dos que frequentam o divã. Um pão-duro deixaria de fazer revelações por medidas econômicas:
— O senhor entendeu mal. Nunca senti desejo pela minha irmã e não se fala mais nisso.
A nova forma de cobrança poderia criar algumas situações-limites e acabar na Justiça, deixando terapeutas descompensados.
— Podemos até rediscutir o assunto, doutor, mas acionei o Judiciário. Só não entendi como um problema tão grande foi para o Juizado de Pequenas Causas.
— Acredito que seja pelo valor irrisório que você me paga. Mas também pode estar relacionado aos problemas com sua anatomia. He, he, he…
— Peraí, doutor! Não é ético o senhor debochar dos meus complexos. É melhor parar ou não respondo por mim.
— E vai fazer o quê? Dar uma demonstração do seu transtorno bipolar?
— Brinca não, doutor…. Eu quebro tudo aqui.
— Quer brincar de lutar, é? Isto é só para chamar a atenção. Continua na disputa infantil com seu irmão pelo amor de papai e mamãe. Só que — helloou — eu não sou seu irmão!
— Claro que não! O senhor é o maior filho da mãe que eu conheço!
— Sei. Só que o meu Complexo de Édipo já está resolvido. Já o seu…
Pensando bem, essa história de ter uma tabela para traumas ou bobagens não ia dar certo. Meu tratamento sairia caro. Nem tanto pelos problemas, mas falo muita bobagem. Correria o risco de, um dia, ao final de uma sessão, após entregar ao terapeuta as chaves e os documentos do carro como pagamento, ainda ouvir seu grito de espanto.
— Não é nem zero quilômetro? Então, vou avisar: meça suas palavras, meça suas palavras.