(Por João Zuccaratto)
A Torta Capixaba é um dos pratos mais saborosos da culinária criada nos 400 quilômetros de praias do Estado do Espírito Santo. E tem tudo para ser considerada a iguaria símbolo da terra mais conhecida pela Moqueca Capixaba — sem diminuir as qualidades desta última.
Afinal, moqueca é capixaba; as outras são peixadas! Mesmo já conhecedores disso, todo o litoral do Brasil teima em oferecer peixadas valorizadas como “moquecas”, mas ninguém, até hoje, tomou coragem de apresentar uma “tortinha” para rivalizar com aquela, só nossa.
A base de sua receita é milenar. Vejam só! Em 1500, o escrivão Pero Vaz de Caminha, na carta enviada a Portugal descrevendo as descobertas da frota comandada por Pedro Álvares Cabral, cita os nativos da Bahia alimentando-se de frutos do mar misturados com palmito.
Com certeza, um costume também presente na alimentação dos habitantes da extensa e bela faixa de areia dourada então limitada pelo Rio Mucuri, ao Norte, e Rio Itabapoana, ao Sul, compondo o litoral e o limite Leste da Capitania Hereditária de Vasco Fernandes Coutinho.
Naquela mistura simples estava o embrião da moderna Torta Capixaba, cuja receita e modo de preparo foram sendo aprimorados através dos últimos cinco séculos. Isso aconteceu por influência do constante contato com a rica tradição culinária dos colonizadores portugueses.
Historicamente, vivendo de frente para o Oceano Atlântico, incorporaram à própria cultura o costume de comer frutos do mar. E, mais ainda, durante os dias da Semana Santa, pois a Igreja Católica, muito forte, proibia a ingestão de ave, boi, caça ou porco naquele período.
Aqueles de maiores posses trocavam pelo bacalhau. Afinal, desde o século IX, anos 1000, dominavam a arte da captura e conservação desta iguaria. O cardápio consistia num bolo salgado, assado, com a massa formada pela carne desfiada do peixe misturada a mariscos.
Sem dúvida, patrícios acompanhando Vasco Fernandes Coutinho na luta pela colonização das terras da Capitania do Espírito Santo, vivendo inicialmente próximo à orla, reuniram as duas receitas. Ao reunir bacalhau, mariscos e palmito e bacalhau, criaram a Torta Capixaba.
Se formos analisar as razões da Torta Capixaba ser menos popular, menos conhecida, que sua irmã mais famosa, a Moqueca Capixaba, podemos relacionar as seguintes conclusões: custo maior, preparo mais elaborado e consumo associado apenas durante a Semana Santa.
A presença do bacalhau e dos mariscos explicam a primeira causa. A reunião de tudo isto de modo equilibrado justifica a segunda. E a antiga tradição católica, trazida para cá pelos colonizadores portugueses, esclarece a terceira. Só esta última desapareceu por completo.
Em casa, ou nos restaurantes especializados em culinária capixaba presentes ao longo do litoral do Estado do Espírito Santo, pode-se degustar Torta Capixaba todos os dias do ano. Não há como fazer isso toda hora, pelo preço, mas, de vez em quando, é um enorme prazer.
Receita da Torta Capixaba
Ingredientes e modo de preparo para servir seis pessoas
Vegetais
500 gramas de palmito natural
Alho
Azeitona
Cebola
Cebolinha verde
Coentro
Limão
Tomate
Frutos do mar
200 gramas de badejo
200 gramas de camarão
200 gramas de caranguejo
200 gramas de ostra
200 gramas de siri
200 gramas de sururu
500 gramas de bacalhau
Outros
Azeite doce
Sete ovos
Modo de preparo
Cozinhar o palmito, apenas com água, durante cinco minutos.
Espremer o palmito cozido num pano de prato, até ficar bem seco.
Fazer moquecas com o camarão, caranguejo, ostra, siri e sururu, separadamente.
Quando prontas, retirar todo o caldo, deixando cada marisco o mais seco possível.
Desfiar o caranguejo e o siri.
Retirar todo o sal do bacalhau, cozinhando previamente, para depois desfiá-lo.
Juntar azeitona, cebola, cebolinha verdade e coentro, temperar com azeite de oliva e limão, e refogar, mexendo até desaparecer a água e ganhar consistência.
Sem tirar do fogo, junte o palmito ao refogado e continue mexendo até desaparecer a água e criar consistência.
Faça o mesmo com os mariscos, até desaparecer a água e criar consistência.
Agora, retire do fogo, para resfriar um pouco.
Enquanto o refogado esfria, faça clara em neve com seis ovos.
Junte a clara em neve ao refogado, adicione o bacalhau e misture bastante.
Coloque tudo numa panela de barro, de preferência.
Se não tiver panela de barro, serve refratário de cerâmica ou travessa de alumínio.
Faça clara de neve com o ovo que sobrou e cubra a torta com ela.
Coloque por cima rodelas de cebolas, com azeitonas no meio delas, para decorar a parte superior.
Leve ao forno e asse até aquela espuma ficar bem corada.
Observação importante: a receita da Torta Capixaba é das mais democráticas possíveis. Em vez do bacalhau, pode-se usar peixe seco — e até mesmo repolho. Os mariscos podem ficar de fora por completo, ou sendo integrados um a um, sem a necessidade de se colocar todos.
João Zuccaratto é Jornalista especializado em turismo sediado em Vitória/ES.
“Material publicado originalmente no Jornal Turismo & Serviços, sediado na Cidade de Vila Velha, no litoral Sul do Estado do Espírito Santo.”