(Por João Zuccaratto)
A forma de se escrever, o modo de falar e a estrutura gramatical da moderna língua italiana foi baseada na obra prima de um dos grandes nomes da literatura mundial.
Durante cerca de mil anos, a região hoje ocupada pela Itália abrigou o centro do Império Romano. Surgido a partir da Cidade de Roma, fundada em 753 antes de Cristo e chegou ao término em 476, com o último imperador deposto por invasores do Norte da Europa.
O fim do Império Romano foi resultado das contínuas invasões daquele território, antes protegido pelo melhor exército daquele longo período, as Legiões Romanas. O declínio dessa força militar permitiu vitórias de bizantinos, lombardos, normandos, ostrogodos…
Invadida a todo momento, por todo lado e por povos variados, aos poucos, a península, cujo perímetro lembra uma bota, viu-se fragmentada em miríade de diminutos reinos e Cidades-Estado. Muitos, de extrema importância para a moderna História do mundo.
Viviam guerreando umas às outras, devido a serem dominadas por orgulhosos príncipes locais ou potências europeias. Partes do atual território da Itália pertenciam à Espanha, à França, à Igreja ou a qualquer um capaz de conquistar a fortaleza ou o palácio local.
O povo mostrava-se conformado. Apesar de detestar os déspotas nativos — e muito mais os estrangeiros —, apáticos por não conseguir sair daquela vida, expressavam-se assim, em um dos muitos dialetos por lá falados: “Franza o Spagna, purchè se magna.”
Em Português, “França ou Espanha, contanto que eu possa comer.” A ausência de um linguajar comum era outra forte característica da ausência de união. Durante séculos, em cada região, desenvolveram-se falares incompreensíveis até mesmo para seus vizinhos.
Florentinos, milaneses, venezianos, trentinos, sicilianos e outros mais só conseguiam se comunicar se aprendessem os idiomas de cada comunidade. Ou usando o velho Latim herdado do Império Romano — na verdade, a base daquele rico linguajar já existente.
Em meados do século XVI, anos 1500 a 1599, intelectuais oriundos diversos pontos da península italiana se uniram para dar fim àquele absurdo. Era chegado o momento de se buscar um idioma comum a todos, pelos menos na forma escrita, respeitando sotaques.
Em atitude inédita na Europa — talvez, até mesmo nos dias atuais —, escolheram a mais bela forma de se expressar entre as existentes e a batizaram de Italiano. Para isso, recuaram 200 anos, até à Cidade-Estado de Florença, quando ela vivia seu esplendor.
Assim, bateram o martelo: dali em diante, seria considerada a língua italiana correta a linguagem pessoal de um dos maiores nomes da Literatura mundial: o escritor e poeta florentino Dante Alighieri, expressa na sua mais conhecida obra, “A Divina Comédia”.
Ao publicá-la, em 1321, chocou o mundo letrado, por não ter utilizado o Latim, como era comum à época. Ele pautava o idioma dos Césares como elitista, só sendo acessível àqueles com recursos capazes de bancar seu aprendizado, numa educação aristocrática.
Para compor seu trabalho, Dante Alighieri garimpou pelas ruas da sua cidade-estado o florentino falado de modo direto, natural, simples, pelos habitantes locais. Entre esses, ilustres contemporâneos, como Francisco Petrarca e Giovanni Boccaccio, por exemplo.
Produzindo sua obra-prima no “dolce stil nuovo” — o “doce estilo novo” —, moldou o vernáculo com seu escrever primoroso, atribuindo-lhe forma extremamente pessoal. Foi imitado por William Shakespeare, definindo o Inglês, durante a primeira era elisabetana.
Talvez se possa dizer os mesmo para o idioma Português com “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões, narrando a epopeia portuguesa em poesia: 10 cantos, 1,102 estrofes e 8.816 versos em oitavas decassílabas — com as rimas num sistema fixo criado por ele.
Denominado Rima Camoniana, a primeira linha de verso rima com a terceira e com a quinta; a segunda, com a quarta e a sexta; e, as duas últimas, sétima e oitava, entre si. A ação central narra a descoberta do caminho marítimo para a Índia, por Vasco da Gama.
A manobra funcionou. O italiano falado hoje não é o oriundo da Cidade de Roma ou da Cidade de Veneza, por exemplo — embora as duas, e outras, tivessem atuação política, influência comercial, poder militar e outros atributos superiores à Cidade de Florença.
O idioma italiano tem pai: Dante Alighieri — característica de nenhum outro no planeta. E ele embelezou o filho com uma capacidade inigualável para expressar os sentimentos humanos — tudo criado pelo talento de um dos maiores poetas da civilização ocidental.
O caminho para alcançar essa glória não foi dos mais fáceis. Ao construir os milhares de versos para compor “A Divina Comédia”, ele também desenvolveu uma nova maneira para se estruturar poesias, conhecida como “terza rima” — em Português, “terça rima”.
Em “A Divina Comédia”, as estrofes têm três linhas de versos, com o termo final da terceira linha rimando com o termo final da primeira. Se fossem cinco, seriam ao final da terceira e da quinta; e assim por diante, segundo criatividade e esforço de cada poeta.
Isso gera o efeito identificado pelos estudiosos como “ritmo em cascata”. O sucesso das criações de Dante Alighieri — “A Divina Comédia” e “terza rima” — alcançou pessoas comuns, em sua maioria, desconhecedoras da existência do grande artista e da sua obra.
Com o passar dos séculos, o “ritmo em cascata” foi incorporando-se ao viver do italiano em geral. Hoje em dia, sua expressão se dá na simpática forma cadenciada, até mesmo poética, do falar de açougueiros, comerciantes, feirantes, padeiros, taxistas e bem mais.
A linha final de “A Divina Comédia”, com Dante Alighieri descrevendo Deus, traduz sentimento compreendido mesmo por aqueles sem domínio maior do Italiano: “L’amor che move Il sole e l’altre stelle.” Ou: “O amor que move o Sol e as outras estrelas.”
Ah! Em tempo: a Itália tornou-se a nação como é conhecida por todos nós hoje em dia, unificando os diversos pequenos reinos, em 1861. Numa comparação com o Brasil, 39 anos depois da nossa Independência e apenas 28 antes de transformar-se em República.
Outra coisa: séculos após a padronização, antigos dialetos sobrevivem e, na maioria das vezes, continuam desconhecidos para aqueles de fora da região. E, influenciado o modo de expressar de cada local, geram pronúncias incompreensíveis para o Italiano moderno.
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Nota do Redator
Texto produzido a partir de mensagem enviada por um conhecido, via WhatsApp. Ele é apaixonado pela história da imigração italiana para o Estado do Espírito Santo. Como também sou interessado pelo tema, o autorizei a me repassar esses tipos de conteúdos.
Gostei do original, mesmo sem os fundamentos acadêmicos capazes de comprovar a autenticidade do exposto. Mas notei de ele precisar de ajustes na redação, apresentar explicações mais detalhadas, ter parágrafos reorganizados etc. Então, fiz as melhorias.
João Zuccaratto é cronista convidado do Clube de Crônicas
Imagem: Dante, com a montanha do Purgatório ao fundo, exibe a Divina Comédia em um detalhe da pintura de Agnolo Bronzino, 1530