Depois de fechado, por mais de dois meses, por conta da quarentena, o Bar Sport recebeu permissão para descerrar uma janela em atendimento ao público. A notícia correu como a velocidade da luz e, antes mesmo do espaço seguir aquela determinação, os frequentadores assíduos já estavam lá de prontidão na porta do estabelecimento.
Foi só dona Maria abriu a janela e o falatório ecoou adentro.
— Ciao Maria! Aquele espresso que só você sabe fazer — seduziu Rolando.
— Um cappuccino pra mim. — disse Giuseppe.
— E o jornal do dia? Libera aí pra nós! — propôs Rolando.
— Mariaaaaa! Ciao bella! Um café para mim! — contemplou Gino. E continuou:
— Ah! Cadê o Ricardo? Ele não trabalha mais não, né?! Aquele pilantra sumiu…
O bar da praça é o ponto de encontro da turma desde os mais jovens até os mais velhos. Contudo, a maior parte é de aposentados. Sabe-se de tudo por lá. É uma espécie de áudiojornal local.
Todos são apuradores, conselheiros, detetives, repórteres, investigadores e tudo o mais tendo a ver com informações. E, claro!, todas as partidas de futebol e outros quaisquer esportes são televisionados naquele lugar. Tudo saboreado com um café, cerveja ou vinho.
— Num aguento mais ficar em casa! Tô precisando de um macchiato para aumentar a energia — desabafou Gilberto.
Cada um foi pedindo e outros gritando o que queriam. A demanda foi aumentando a cada voz que surgia. Em poucos minutos, o grupo já estava rodeando boa parte da praça como nos velhos tempos. Apesar do assunto em alta ser Covid-19, e boa parte do grupo usar máscaras, nem sequer lembravam de se afastarem um do outro.
Segundo as regras ditas pelos autoridades entendidas em Coronavirus, o combinado era de se evitar aglomeração de gente, mantendo uma distância mínima de um metro entre cada indivíduo. Alguns estabelecimentos só poderiam abrir em modo de pronta-entrega. Nada de oferecer mesas ou cadeiras para prosas, muito menos jornal, para passar o tempo.
Antes das sete da manhã, a pequena praça do bairro já estava bem movimentada. Todos com a desculpa de irem tomar um café no Bar Sport.
Não demorou muito para a Polícia aparecer.
Pulando da viatura, assustados com o que viam, os policiais foram logo alertando:
— Opa! Podem ir se dissipando e indo para casa. Nada de ficarem aí de bate-papo. Quem disse que vocês estão liberados para ficarem na rua assim amontoados? — perguntou o policial Moares.
— Seu Moraes, só viemos tomar um café. O bar abriu e aqui estamos cumprindo o nosso ritual. Ninguém aguenta mais ficar confinado em casa. — relatou Giuseppe.
— Mas o bar só foi aberto para take away — ressaltou o homem da Lei.
— Taque o quê?
— Take away! — apontou para as letras rabiscadas em gizm num quadro negro.
— TA-KE AUAI — gesticulou o outro companheiro de viatura, em seu inglês carregado de acento.
Enquanto isso, a turma se divertia remendando o termo estranho usado pelo tira.
— Taca-taca aí, Giuseppe! — sugeriu alguém.
— Tecaaa… Que é isso? Eu lá conheço esse negócio! — implicou Giuseppe.
— Seu Giuseppe, take away — repetiu o guarda, insinuando o gesto para Giuseppe sair.
— Tá tá tá! Eu só vim tomar café aqui no bar. Rapaz, fala direito comigo! Fala a nossa língua. Acaba com esse negócio de ficar usando esses termos estrangeiros que ninguém conhece. Para quê? — respondeu Giuseppe.
Pronto! Pela praça ecoou ti-ti-tis, risos, caçoadas e gargalhadas.
A autoridade se enfezou:
— Seu Giuseppe, basta! Take away: pega e vai embora. Capisce?
E, continuou para a turma toda:
— Podem parar com essa algazarra toda. Acabou! Vão circulando ou vocês querem pegar esse maldito virus? Andem! Senão, vou ser obrigado a fechar o bar de dona Maria. E multar todo mundo aqui.
Amuado, desiludido e um pouco revoltado, o povo foi saindo de fininho, restando apenas a fila na janela do bar, organizada pelos vigilantes.
Dias depois, o bar reabriu. Alguém se lembrou de seguir as novas normas por causa de um tal vírus? Nada. Logo, logo, a dura está de volta.
Junho de 2020
Foto de Dimitri Bong em Unsplash